Tuesday, May 03, 2011

A Procura do Génio



É triste pensar assim, mas não há dúvida que o Génio dura mais que a Beleza. É por isso que todos nós nos esforçamos tanto por nos cultivar. Na luta selvagem pela existência, queremos ter algo que dure e por isso enchemos as nossas mentes de entulho e factos, na esperança vã de mantermos o nosso estatuto. O homem perfeitamente bem informado, é esse o ideal moderno. E a mente do homem perfeitamente bem informado é uma coisa medonha. É como uma loja de bujigangas, só mamarrachos e pó, todas as coisas cotadas acima do seu valor.

Oscar Wilde, in "O Retrato de Dorian Gray"

Monday, May 02, 2011

A Alma


A alma, ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia tomar cor. Há seres cuja alma é uma contínua exalação: arrastam-na como um cometa ao oiro esparralhado da cauda - imensa, dorida, frenética. Há-os cuja alma é de uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes da matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluidos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsão dessa névoa sensível. Assim é que o homem faz parte da estrela e a estrela de Deus.

Friday, April 29, 2011

As Lágrimas e os Homens



Vede que misteriosamente puseram as lágrimas nos olhos a Natureza, a Justiça, a Razão, a Graça. A Natureza para remédio; a Justiça para castigo; a Razão para arrependimento; a Graça para triunfo. Como pelos olhos se contrai a mácula do pecado, pôs a Natureza nos olhos as lágrimas, para que com aquela água se lavassem as manchas: como pelos olhos se admite a culpa, pôs a Justiça nos olhos as lágrimas para que estivesse o suplício no mesmo lugar do delito: como pelos olhos se concebe a ofensa, pôs a Razão nos olhos as lágrimas, para que onde se fundiu a ingratidão, a desfizesse o arrependimento: e como pelos olhos entram os inimigos à alma, pôs a Graça nos olhos as lágrimas, para que pelas mesmas brechas onde entraram vencedores, os fizesse sair correndo. Entrou Jonas pela boca da baleia pecador; saía Jonas pela boca da baleia arrependido. Razão é logo e Justiça, e não só Graça, senão Natureza, que pois os olhos são a fonte universal de todos os pecados, sejam os rios de suas lágrimas a satisfação também universal de todos; e que paguem os olhos por todos chorando, já que pecaram em todos vendo: Quo fonte manavit nefas, Fluent perennes lacrimae.

Padre António Vieira, in "Sermões"

Saturday, April 23, 2011

A Amizade é Indispensável ao Nosso Ser



A amizade é a unica coisa cuja utilidade é unanimemente reconhecida. A própria virtude tem muitos detratores, que a acusam de ostentação e charlatanismo. Muitos desprezam as riquezas e, contentes de pouco, agradam-se da mediocridade. As honras, à procura da qual se matam tanto as pessoas, quantos outros as desdenham até olhá-las como o que há de mais fútil e de mais frívolo? E, assim, quanto ao mais! O que a uns parece admirável, ao juízo doutros nada é. Mas quanto à amizade, toda a gente está de acordo: os que se ocupam dos negócios públicos, os que se apaixonaram pelo estudo e pelas indagações sapientes, e os que, longe do bulício, limitam os seus cuidados aos seus interesses privados: todos enfim, aqueles mesmos que se entregaram todos inteiros aos prazeres, declaram que a vida nada é sem a amizade, por pouco que queiram reservar a sua para algum sentimento honorável.

Ela se insinua, com efeito, não sei como, no coração de todos os homens e não se admite que, sem ela, possa passar nenhuma condição da vida. Bem mais, se é um homem de natureza selvagem, muito feroz para odiar seus semelhantes e fugir do seu contacto, como fazia, diz-se, não sei mais que Timon de Atenas. É preciso ainda que este homem procure um confidente no seio do qual possa verter o seu veneno e o seu ódio. A necessidade da amizade será ainda mais evidente, se ele pudesse admitir que um Deus nos tirasse do seio da sociedade para nos colocar numa solidão profunda, onde, fornecendo-nos em abundância tudo o que a natureza nos pode propinar, nos subtraísse ao mesmo passo a esperança e os meios de ver jamais qualquer face humana.

Qual é a alma de ferro que suportaria uma tal existência e a quem a solidão não tornaria insípidos todos os gozos? Assim tenho por verdadeiras as palavras de Arquitas de Taranto, que entendi recordar a velhos que as ouviram eles próprios de seus pais: «se alguem subir ao céu, e de lá contemplar a beleza do universo e dos astros, todas essas maravilhas deixá-lo-ão indiferente, enquanto que o embasbacarão de surpresa se tiver de contá-las a alguém». Assim, a natureza do homem se recusa à solidão, e parece sempre procurar um apoio: e não o há mais doce que o coração de um terno amigo.

Marcus Cícero, in 'Diálogo sobre a Amizade'

Thursday, April 21, 2011

O Amor é um Prémio sem Mérito


O amor é, por definição, um prémio sem mérito. Se uma mulher me diz: eu amo-te porque tu és inteligente, porque és uma pessoa decente, porque me dás presentes, porque não andas atrás de outras mulheres, porque sabes cozinhar, então eu fico desapontado. É muito mehor ouvir: eu sou louca por ti embora nem sejas inteligente nem uma pessoa decente, embora sejas um mentiroso, um egoísta e um canalha.

Milan Kundera, in "A Lentidão"

Thursday, April 14, 2011

Pode a mente medíocre “realizar” Deus?


Pode a mente medíocre “realizar” Deus? Não é isso, Senhor? Podeis usar as palavras “realizar o seu preenchimento” — o que quer que elas signifiquem. Pode a mente ser libertada, pode a mente achar a Verdade, Deus? Senhor, tende a bondade de escutar. Pode a mente medíocre, pequena, perturbada, a mente mesquinha, dividida, vulgar, achar a Realidade? A Realidade é coisa totalmente desconhecida. É uma coisa que só pode existir momento por momento, e não uma coisa fixa num ponto, onde eu possa ir apanhá-la. Se ela está fixa num ponto para eu alcançá-la, ela é uma invenção da mente. Criamos Deus à nossa imagem, não é verdade? Todos os livros, todos os templos estão cheios dos produtos da nossa mão — a palavra, a imagem ou o símbolo, que a mente considera muito importante, porque tem medo de descobrir por si mesma Pode uma tal mentalidade descobrir a Verdade ou “realizar o seu preenchimento” o que quer que signifique “seu preenchimento”? Pode a mente pequenina, que só pensa em termos de “adquirir mais”, em termos de tempo — fazer algo amanhã, alcançar alguma coisa na próxima vida pode uma tal mente compreender o que é atemporal, aquilo que está além das exigências psicológicas temporais, oriundas do desejo? Não pode, evidentemente. Senhores, Deus não é uma coisa que se pode adquirir como se adquire um terno de roupa ou uma virtude. É algo incomparável, atemporal, inimaginável, inefável: não podeis ir a Ele. Ele deve vir a vós, e tão-somente quando o vosso espírito não mais está buscando. Porque estais buscando, agora, com o fito de adquirir, de ter conforto, com o fito de vos tornardes algo; porque só pensais em termos de tempo, de desenvolvimento, obtenção de resultados — não podeis nunca saber o que é a Realidade. Mente assim, é mente medíocre. Ela é capaz de inventar frases, de falar a respeito de Deus, a respeito da Verdade. Essa mente, porém, não pode ter a experiência da Realidade. Quando a mente já não compara, não adquire — só a essa mente que está tranqüila, pode a Realidade manifestar-se; e essa Realidade não é contínua, ela existe de momento a momento. O que foi, não é, e o que é não será. Senhores, isto não são meras palavras. Quando examinardes realmente o problema relativo a tudo o que acabo de dizer, descobrireis por vós mesmos o que é ser criador. Tereis, vós mesmos, a mente que já não compara, já não adquire, a mente que ingressou num “estado de ser” — e nesse ser a Realidade penetra. A Realidade não é sempre a mesma. Por conseguinte, a mente não pode escrever ou falar sobre a Realidade, descrever a Realidade. A Realidade não tem nenhuma atração. Não posso dizer que ela me atrai. Por conseguinte, é fútil e tolo falar a esse respeito. Só quando a mente já não está buscando, já não está exigindo, procurando, desejando tornar-se alguma coisa só então a mente está tranqüila; e esta tranqüilidade não é consciente; esta tranqüilidade varia de momento a momento. A mente que só conhece a continuidade não é tranqüila. Tudo isso exige muita paciência, percebimento e autoconhecimento Esse autoconhecimento não é o conhecimento de um certo “ego”, de que ouvistes falar nos livros e dentro do qual fostes condicionado e educado; mas do vosso “ego” de todos os dias, o “ego” que procura, busca, deseja, adquire, que está descontente, que corrompe, que é ávido em vão, e inventa a hierarquia com o um de firmar cada vez mais o seu poderio. Tal é a mente, que cumpre ser compreendida. E ela só pode ser compreendida momento por momento, quando andais, quando falais. Vereis, se observardes a linguagem com que falais ao vosso criado, quanto está condicionada a vossa mente, inutilizada pela tradição; esta mente nunca há de achar a Realidade. É necessária uma revolução total do nosso pensar, para que o atemporal possa acontecer

Monday, April 11, 2011

Conformismo e Liberdade

Viver sozinho requer grande inteligência; viver sozinho e ainda assim ser dócil é algo árduo. Viver sozinho, sem os muros das gratificações em que nos enclausuramos requer que sejamos extremamente alertas; pois uma vida solitária estimula a preguiça, hábitos que são confortadores e difíceis de romper. Uma vida a sós encoraja o isolamento, e apenas os sábios podem viver a sós sem causar mal a eles próprios ou aos outros. A sabedoria é solitária, mas um caminho solitário não leva necessariamente à sabedoria. O isolamento é morte, e a sabedoria não se atinge pelo fato de você se retirar. Não existe caminho para a sabedoria pois todos os caminhos são separadores, exclusivos. Pela sua própria natureza, os caminhos podem apenas conduzir ao isolamento, embora esses isolamentos sejam chamados de unidade, de totalidade, de uno, e assim por diante. Um caminho é um processo exclusivo; os meios são exclusivos e os fins são como os meios. Os meios não são separados do objetivo, daquilo “que deveria ser”. A sabedoria chega com a compreensão do relacionamento com o campo, com o passante, com o pensamento fugaz. Retirar-se, isolar-se de modo a poder descobrir, significa pôr um fim a descoberta. O relacionamento leva a uma solidão que não é de isolamento. É preciso que haja solidão, não da mente que se fecha em si mesma, mas da liberdade. O completo é o sozinho, e a incompletude busca o caminho do isolamento.

Thursday, March 24, 2011

As Aparências não enganam

Uma constatação interessante quando falamos de linguagem corporal é que, ao contrário do dito popular, as aparências não enganam. Se tivermos olhos sensíveis, poderemos observar que realmente somos o que aparentamos ser. Nosso corpo físico, em todos os seus aspectos, manifesta muito mais características da nossa história, emoções e pensamentos do que podemos imaginar.
O modo como nos movimentamos, nos deslocamos no espaço e como desempenhamos nossas tarefas rotineiras diz muito a respeito da nossa atitude mental e disposição na vida."O modo como nos movimentamos, nos deslocamos no espaço e como desempenhamos nossas tarefas rotineiras diz muito a respeito da nossa atitude mental e disposição na vida."
Nossa postura e formato corporal também trazem dados preciosos sobre a nossa história de vida, longínqua ou recente, como comportamentos repetidos, instaurados e cristalizados nos músculos, vísceras e pele. Endurecemos, enrijecemos, paralisamos pulsações, respiramos menos para abrandar as sensações desagradáveis e para sentir menos o que é insuportável em determinadas fases de nossas vidas. Às vezes, ou ao mesmo tempo, podemos "aumentar" algumas áreas do nosso corpo, nos fazer maiores, ou mais "moles" e permeáveis se isso trouxer alguma vantagem nos vínculos e relações em determinado momento.
Mudanças na vida, mudanças no corpo
É comum observarmos como alguém pode mudar seu corpo quando faz uma mudança na vida: se separa, casa, arranja um novo trabalho, está feliz ou insatisfeito. Numa relação onde um dos parceiros tem um carácter dominante e invasivo sobre a outra pessoa, este último para "sobreviver" no relacionamento e não ser abandonado pode construir um corpo pouco tonificado, permeável e que oferece quase nenhuma resistência a forças externas. Muitas vezes o medo de ser abandonado é muito maior do que o desejo de buscar relações verdadeiramente satisfatórias, e o corpo é moldado e construído de acordo com o que vivemos.
O que exactamente está armazenado e configurado nessas posturas pode vir à tona quando nos dispomos a entrar em contacto com elas, seja numa psicoterapia, ou em qualquer trabalho corporal. É fascinante descobrir que forma e comportamento são a mesma coisa. Mas independente disso, observar nosso corpo e os das pessoas ao nosso redor é um exercício muito interessante de autoconhecimento. Vale lembrar que esta observação não deve ser feita com um olhar estético, de julgamento, se estamos ou não dentro dos padrões da moda e das revistas, e sim de uma maneira curiosa a respeito do quanto podemos descobrir através dos desejos e medos não integrados em nossa consciência, que se manifestam em nossos corpos físicos. Ou seja, o corpo e sua forma denunciam nosso inconsciente, tudo o que não "sabemos" sobre nós ou não queremos entrar em contacto.
O que seu corpo está dizendo agora?
Algumas atitudes são mais óbvias, como mãos e pernas inquietas, que demonstram claramente ansiedade e agitação mental, ou ombros fechados e curvos, em alguém que provavelmente precisa se proteger por medo, timidez ou insegurança. Um pescoço excessivamente alongado e rígido, mostra a função de separar o peito (sentimentos) da cabeça (intelecto), para que um não interfira no outro. Além disso, a respiração pode dizer muito sobre nós. Percebemos melhor as emoções, sensações e desejos que aparecem quando respiramos mais profundamente, relaxamos o corpo e paramos para sentir e ouvir o que ele está nos dizendo hoje.
Tente ouvir e entender o que seu corpo diz. Entre em contacto com as dores, com os desconfortos. "Ouça-os" ao invés de apenas querer se livrar dos sintomas desagradáveis, tomando analgésicos ou relaxantes musculares. Perceba e mergulhe na sua ansiedade, ao invés de apenas tentar distracção em algo mais gratificante. Arrisque-se a entrar em contacto com os sinais do seu corpo. Com essas atitudes de amor e coragem consigo mesmo, como uma boa mãe que escuta o que seu filho tem a dizer, ao invés de mandá-lo ficar quieto e não incomodar, nossas vidas se abrem para um caminho cheio de liberdade, satisfação, saúde e respeito a si mesmo

Friday, January 21, 2011

“Mesmo que tenhas dez mil plantações, só podes comer uma tigela de arroz por dia ainda que a tua casa tenha mil quartos, nem de dois metros quadrados precisas para passar a noite.”
(Provérbio-Chinês)
Porque será que temos esta necessidade de ter mais? ...Cada vez mais? Mesmo que sejam coisas pequenas, não conseguimos parar de consumir. A cada dia surge uma nova paixão, um novo desejo, uma nova necessidade e não conseguimos travar este processo porque, por momentos, nos faz sentir bem. Por momentos… mas logo que essa necessidade é satisfeita, surge outra maior e mais difícil de satisfazer. Passamos uma vida inteira nisto… não vemos é que estas necessidades são ocas e que são reflexo do que se passa internamente connosco. A insatisfação vem da alma e não da mente – responsável por esta avidez.
Estás preenchido em termos emocionais?! Pois…