Tuesday, December 12, 2006

Estamos perante um antigo ditado chinês:

“Atenta ao que te incomoda, tens ali um mestre.”

Passamos uma vida inteira a julgar. Isto é bom, aquilo é mau. Quero isto, não quero aquilo. Em simultâneo, corremos atrás do que nos convencemos ser bom, esquecendo o todo maior, a existência inteira, perseguindo uma fantasia. Mas tudo é importante, por fazer parte da existência em que nos inserimos.
Este antigo ditado é muito difícil de interiorizar. Que mestre tenho no barulho dos vizinhos? Que mestre tenho na indiferença dos outros? Que mestre tenho, num governo que me cobra tantos impostos e retira os apoios à saúde e à educação? Que mestre tenho na forma como se conduz no nosso país?
Para percebermos isto, temos de começar por perceber o que é um mestre. Mestre, é aquele que nos ajuda a sermos nós próprios, ou seja, nos ajuda a encontrarmos o nosso próprio caminho ou via. O mestre não tem importância em si. O que é ou não, é indiferente.
Este mestre, não tem de ser forçosamente uma pessoa; uma pessoa incomodativa. Este mestre está no facto em si. É no facto em si que existe algo a ser revelado. Se estivermos muito atentos a um facto em si, perceberemos o que nos incomoda, o que temos de evitar ou de implementar nas nossas vidas.
Perante novos factos incómodos, passamos a estar gratos pela lição em vez de incomodados. Passamos a aceitar os incómodos da vida para descobrir neles as suas importantes lições: mas agindo. Sem acção não há lição. Sem prática não se gera a verdadeira aprendizagem.
Se nos recordarmos das lições da vida, das que nos ficaram fortemente enraizadas, elas contiveram emoção, significado e acção. Melhor seria, se permitíssemos um silêncio a seguir à emoção tornando-nos conscientes dela, não ficando por uma simples e cómoda explicação.
Interiorizar esta magnífica e simples lição, leva-nos a viver com um sorriso interior os novos incómodos, lições gratuitas que a vida nos dá. Também acontece outra coisa prodigiosa: cada vez menos coisas nos incomodam.
O Universo, a existência, Deus, o que lhe quiserem chamar, é omnipresente. Encontra-se em nós e rodeia-nos. Somos seus filhos queridos e os seus sinais não revelam mais que a preocupação de um pai perante os que mais ama.
Mas somos muito cegos e surdos. Somos também muito convictos de que sabemos seja o que for. Somos muitas vezes o pior ignorante; e este é o que se convenceu de que sabe. Com este convencimento ignoramos os sinais da vida, a constante informação da existência. Que é silenciosa! Não é verbal nem mental.
Uma folha ou uma flor nascem e crescem silenciosas, com uma quietude cheia de dignidade, amor e beleza.
Perceber este ditado exige contemplação. Não é a olhar para o lado. É sentir atento e profundamente os seus sinais. Sem pensar nem julgar nada, permitindo que o óbvio se revele.
Aprendi-o há bastantes anos, já nem me lembro onde. Levei muito tempo a interiorizá-lo e vivê-lo. É fácil reagirmos brutalmente ao que nos incomoda. Mas se pararmos para pensar no que têm sido as escolhas da nossa vida para estarmos a viver aquela experiência, agradecermos à existência a sua vivência.
Agradecendo, por nos tornarmos conscientes das nossas dúvidas, fraquezas e questões. Tendo assim a possibilidade de as transformar em conhecimento, força e capacidade de resposta.
Agradecendo, pela lição dada. Pelo mestre ali contido.

1 comment:

Anonymous said...

É mesmo...não nos apercebemos da beleza e simplicidade que nos rodeia e de um Ser maior que nós; Somos arrogantes,infelizmente mas ainda bem que existe um mestre e esse mestre é a própria vida.Gostei muito do que li :)